*O hipotiroidismo congênito (H.C), é a falta de hormônio tiroidiano ao nascimento, seja esta falta total ou relativa. Paracelso, no século XVI fez a primeira descrição em literatura da doença. Se não tratado até 03 (três) semanas de vida (até seis semanas na maioria dos casos), o H.C leva a retardo mental irreversível, o que torna o diagnóstico precoce à linha que separa uma vida normal de outra com alto custo emocional assumido pelos familiares e porque não dizer, alto custo social.
O diagnóstico precoce do H.C é feito pelo teste de papel de filtro (teste do pezinho), que diagnostica ainda a fenilcetonúria, doença que se não tratada precocemente também leva a retardo mental irreversível. Esse teste deve ser feito após as primeiras 48 horas de vida, preferencialmente no 5.º dia, obtendo-se o resultado o mais breve possível.
Para pesquisar uma das causas do H.C analisei inicialmente a doença de uma forma global, buscando entender toda malha técnica utilizada em nossos serviços de saúde público ou privados no diagnóstico de H.C, já que avaliei pacientes oriundos de várias localidades de São Paulo e outros estados. Foi nesta abordagem inicial que concluí tristemente que boa parte destes pacientes já possuíam danos mentais irreversíveis, mostrando que o sistema de detecção neonatal da doença não existe em boa parte destas localidades e sugerindo ainda que mesmo aonde esteja implantado, falhas possam estar ocorrendo.
Em 1893 o estado de São Paulo criou a lei 3.914, e em 1990 a União com a lei n.° 8.069, tornaram obrigatório a feitura de tiragem neonatal para H.C. A portaria n.º 822 de junho de 2001 traz novas normas de tiragem neonatal de doenças congênitas. A despeito das leis, o quadro vigente quanto à incidência de H.C é no mínimo entristecedor.
Em trabalho publicado pela Universidade Federal de Sergipe, verificou-se que naquele estado apenas 5% dos recém nascidos no interior do estado e 42% da capital eram pesquisados quanto a doença. Em minha experiência clínica nas buscas de casos de H.C em dois municípios da grande São Paulo, onde já existe uma rede empenhada no diagnóstico e tratamento precoce da doença não foi raro a ocorrência de diagnósticos tardios, patrocinado principalmente pela desobediência dos pais em seguirem a orientação de procurarem os postos de saúde após a alta para que seja realizado a pesquisa. Há que se note, que a total desinformação por parte dos pais quanto a gravidade da doença é fator majoritário que leva à esta desobediência. O atraso na entrega dos resultados é possível, porém a busca ativa no caso de detecção da doença é hoje a regra nos municípios da grande São Paulo.
Com matemática simples é fácil entender a gravidade do problema; se a incidência de H.C é de 1 para 3.500 nascidos vivos, nascendo aproximadamente 3 milhões de crianças ao ano, e com acesso à triagem neonatal sendo permitida aproximadamente a 1,8 milhões, os 1,2 milhões restantes fornecerão perto de 350 crianças com retardo mental irreversível, número este que é repetido a cada ano, aceitando ainda que todos os 1,8 milhões que possuem o acesso ao teste sejam triados sem falhas nos serviços de detecção.
A conclusão óbvia deste texto, é que apesar da sociedade médica estar se mobilizando, valorosos serviços e entidades funcionem muito bem em algumas localidades, a solução do problema só ocorrerá com uma campanha direcionada para a população que haverá, após o esclarecimento, de cobrar a feitura do teste conforme preconiza a lei.
* Com este texto foi iniciada a “Campanha de Conscientização da Importância do teste do Pezinho”, com esta descrição simples, respaldada por números, muita gente de bem foi mobilizada no processo, que dois anos depois contava com a expressiva melhora no padrão de cobertura quanto a feitura do teste nos recém nascidos no Brasil. A continentalidade do país não permite uma logística simples para tal cobertura, mas sem dúvida, se cada cidadão cumprir seu papel, na cobrança de seus direitos, muito pode ser feito pra se evitar tal mutilação.